Português nas escolas portuguesas


A disciplina “português”, no ensino secundário, é uma piada em forma de aulas. E o programa (como eles gostam de chamar) começa com “poesia Trovadoresca”, começa algures na idade média, começa longe da realidade, começa no passado como se nada no presente houvesse de mais relevante. Passa por Gil Vicente e literatura morta que certamente interessará àqueles que a quiserem seguir, de futuro, e não aos próximos médicos, jogadores da bola, economistas. – Tragam presente para o português das escolas, ensinem futuro, ensinem a realidade! – Depois falam brevemente de Camões, vangloriam um Portugal que não existe, feitos, coragem, ousadia que já passou… Esperem. Mais tarde eles vão voltar a Camões, que não basta uma só viagem de enjoos no secundário!

Levam com o Sermão de Santo António aos Peixes. “A terra está corrupta” e essa é uma verdade atual, mas não ensinem isso às crianças! Levam com o Frei Luís de Sousa, levam com os Maias, com a ação trágica, com o diletantismo e não o aplicam na prática, aos dias de hoje, ao que realmente importa. Vivemos num país de diletantes, mas não ensinem isso às crianças! Esperem. Neste momento já nem sabem o que é poesia, muito menos a Trovadoresca. Sabem o que é a trovoada… e é a mesma coisa. Levam com Cesário Verde, já no fim do ano, e confundem-no com as férias no Algarve.

“Bom, na aula de hoje vamos começar Fernando Pessoa”. Chegou a vez de Pessoa. A atenção caiu já por terra (e não por “terras lusitanas” porque a vontade de voltar a falar em Camões está longe de ser verdade!). O professor pergunta, na menos pura ignorância, como é possível não se interessarem pelos poetas que marcaram a cultura e a literatura portuguesas. Chega até a chamar-lhes incultos, “geração sem futuro”… ou, se não chama, pensa e é o que basta. Ora, alguém pergunta a um mágico como se faz o truque sem o vermos primeiro, sem nos envolvermos primeiro, sem nos sentirmos intrigados primeiro?! Querem que se apaixonem loucamente por Pessoa antes de lhes mostrarem quem ele é, o que faz, o que escreve… quando o resumem a meia dúzia de tópicos?! Repito: querem que se apaixonem loucamente por Pessoa quando o resumem a meia dúzia de tópicos?! Mostrem-lhes quem é Pessoa! Mostrem-lhes mais para além do óbvio. Se “o poeta é um fingidor” então o português ensinado também o é!

E que volte Luís Vaz de Camões. Que voltem os feitos dos portugueses, os descobrimentos, a coragem e que volte também a força com que tudo isso naufragou. Fomos grandes. Fomos. Tivemos muito. Tivemos. Lutámos como nenhum outro povo naquele tempo. Verdade. E que tal abandonar o pretérito perfeito e começar a construir o futuro? O futuro também se dá na gramática e não passa por conquistas territoriais. “Oh”, dizem eles, isso é obra do “Quinto Império”. É aqui que séculos se juntam e Pessoa conhece Camões nas palavras. Que venha o sonho do “Quinto Império” e que traga com ele D. Sebastião. Vamos ver se é desta que salva alguma coisa. E se salvar… que seja as aulas de português.

A disciplina “português”, no ensino secundário, é uma piada em forma de aulas. E a piada maior está quando o professor diz: “comente”. Comente a estrofe, o parágrafo, a intenção do poeta ou do autor. Ele diz “coment
e” e tudo o que quer é que não comentem. Isso dá-lhe trabalho. É isso… ter opinião dá trabalho! Então, o professor incute a resposta politicamente correta, incute um estilo próprio, uma opinião irrefutável e quem ousar pensar de forma diferente, quem interpretar e sentir o texto de forma diferente… bom, é simples, são menos 4 ou 5 valores na nota do teste.

E é aí que se percebe que a dicotomia maior deixa de ser entre o sentir e o pensar, do Ortónimo, e passa a ser entre a vontade de ter opinião própria e a vontade de ter uma boa nota. Não, não é que os estudantes sejam fracos e não queiram dar e fundamentar a sua interpretação. É que, para conseguirem ser médicos, jogadores da bola, economistas, precisam da boa nota. Precisam de ter uma boa média. E é aí que o português deixa de ter interesse para quem o estuda.

Percebam: a literatura, ao contrário da física ou da matemática, não é estanque. Por alguma razão existem áreas diferentes, como a das ciências e a das línguas e humanidades. Digam-me, por favor, qual é a humanidade de terem todas o mesmo “português”?

E repito: Tragam presente para o português das escolas, ensinem futuro, ensinem a realidade! Mas não. Só os autores de cemitério merecem ser dados nas aulas de português. Talvez no século XXII ensinem o que era a realidade dos dias de hoje. Talvez no século XXII ensinem Valter Hugo Mãe, João Tordo, Filipa Leal. Com certeza que, no século XXII, os grandes autores portugueses atuais já vão estar mortos.

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